sábado, 16 de abril de 2011

O percurso com percalços do cadeirante.

  Eu tenho menos de dois anos de lesão , estou somente agora organizando os termos da minha nova realidade. Fazer uma faxina inteior requer o encontro com verdades incisivamente cruas, trata-se de um processo ao qual recorro para prosseguir. Não é alimentar as suas qualidades ou percorrer o pavio das ilusões, não mesmo. É muito mais difícil ter consciência do seu lado menos nobre ,covarde e mesquinho a disputar uma brecha em qualquer dia a dia. Há na cadeira de rodas um poderoso imã atraindo a atenção das pessoas , isso me socorreu em muitos momentos de aperto. Nas possibilidades em que uma queda na rua parecia inevitável a aparição de uma ajuda pontual e anônima foi valiosa.

Não tenho vocação para discorrer sobre as propriedades da cadeira enquanto objeto , dispenso agora uma psicanagem de botique para simplificar o assunto. Entretanto a cadeira possuírá um apelo retumbante em um cotidiano operado pela necessidade da instantaneidade. Ao atravessar um simples sinal é preciso muito preparo físico e uma concentração extrema para se chegar ao outro lado da rua. São as capacidades do corpo, da percepção externa funcionando em sinal de alerta constante. É preciso atuar em um ordenamento menos tenso, conciliando os obstáculos com uma condição de humanidade. O preparo para completar os movimentos com funcionalidade na rua são desgatantes. Eu sou um novato, ainda não peguei a malícia , a disposição e a coragem para encarar as ruas eficazmente. Em minha etapa atual eu cedo facilmente às tensões.

Um meio termo precisa ser incorporado  , os parâmetros das comparações feitas com o que já realizou anteriormente nunca será desconectado. O reencontro com uma pessoa conhecida , a visualização de uma foto anterior à lesão e mesmo alguns comentários puxam o tapete tecido para o fortalecimento contínuo , interpelando contra o esforço da própria faxina interior um despejo de dor.

 Nem tudo precisa ser desértico , a alegria fecunda em situações inesperadas, o exercío do humor nunca foi tão requisitado. Eu ainda não encontrei um tempo capaz de dialogar com tantas necessidades imediatas.Rir e participar mais da vida tem sido um desafio igual ao de assumir as implicações encontradas por um cadeirante. Conhecer o lado sabotador latente sem botar as desculpas e os erros em cima da cadeira. A cadeira de rodas foi construída para facilitar vidas, estimular a progressão dinâmica das situações com o maior grau de lucidez possível. É uma parada dura, não precisa ser uma cruz!

Eu tenho muita fé em Deus,uma convição maciça e reparadora ao esforço diário, além da retribuição dos familiares e pessoas próximas com um apego muito forte às reivenções de vida.  As dificuldades convivem em quase todas as minhas ações, mas a tensão para andar na rua diminuirá aos poucos e assim atravessarei mais do que os buracos no asfalto. Toda essa garimpagem de sentimentos espera ser colocada em um benefício maior; permitir aos cadeirantes uma conexão com suas âncoras interiores. A partir do que eu vivo, acesso e consigo transmitir.

Não será fácil, devido a todos os percalços, mas o percurso pedregoso também me enche de uma briosa disposição.

Um abraço .

André Nóbrega.

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