sábado, 23 de abril de 2011

O aniversário da lesão.

  Uma pessoa com uma lesão séria adquirida ,tem na data do fato do acidente gerador à sua condição um aniversário incômodo. Um dia com aquela carga forte o suficiente para marcá-lo com múltiplos significados . O vazio parece ser alimentado na medida em que o tal ‘’aniversário’’ se aproxima, principalmente quando a atitude adotada é a de não pensar no assunto. Difícil encontrar um poder de sugestão e controle da mente proporcionais à ruptura sofrida.Não  é a maturação da pessoa para com o trauma, passa também por uma memória corporal presente.Aquela vivência anterior disposta a lhe cutucar, e assim, o aniversário da lesão sofrida nunca será um dia comum.
  A data vem como uma coceira distante, perceptível ao ponto de não identificar na desmesura de um dia o agrupamento com tantos sentimentos desiguais. Cada portador de necessidade especial  trabalha em seu íntimo os mecanismos de reação .Eu constatei relatos pertinentes, corajosos e de grande valor a respeito do dia da lesão por eles sofrida. A constatação dos fatos descritos é tocante , os detalhes dos aconcontecimentos ,tão palpáveis quanto nítidos, não poderiam deixar de atribuir um peso à data.
 Confrontar uma data fúnebre não significa esquecer a ação célebre da retomada. Não é um dia para ser desprezado, conquanto que o impulso fundamental da reconstrução estiver alinhado ao dia x, do mês y, daquele ano em particular.
 A coceira me incomoda bastante. Eu luto, negocio para ela não me asfixiar. Afinal, é um dia presente em meu calendário , com um peso neste ano ,por enquanto, menor do que o do ano passado . Será uma boa briga, no entanto,eu estou longe de largar o osso.
Um abraço a todos.
André Nóbrega.

sábado, 16 de abril de 2011

O percurso com percalços do cadeirante.

  Eu tenho menos de dois anos de lesão , estou somente agora organizando os termos da minha nova realidade. Fazer uma faxina inteior requer o encontro com verdades incisivamente cruas, trata-se de um processo ao qual recorro para prosseguir. Não é alimentar as suas qualidades ou percorrer o pavio das ilusões, não mesmo. É muito mais difícil ter consciência do seu lado menos nobre ,covarde e mesquinho a disputar uma brecha em qualquer dia a dia. Há na cadeira de rodas um poderoso imã atraindo a atenção das pessoas , isso me socorreu em muitos momentos de aperto. Nas possibilidades em que uma queda na rua parecia inevitável a aparição de uma ajuda pontual e anônima foi valiosa.

Não tenho vocação para discorrer sobre as propriedades da cadeira enquanto objeto , dispenso agora uma psicanagem de botique para simplificar o assunto. Entretanto a cadeira possuírá um apelo retumbante em um cotidiano operado pela necessidade da instantaneidade. Ao atravessar um simples sinal é preciso muito preparo físico e uma concentração extrema para se chegar ao outro lado da rua. São as capacidades do corpo, da percepção externa funcionando em sinal de alerta constante. É preciso atuar em um ordenamento menos tenso, conciliando os obstáculos com uma condição de humanidade. O preparo para completar os movimentos com funcionalidade na rua são desgatantes. Eu sou um novato, ainda não peguei a malícia , a disposição e a coragem para encarar as ruas eficazmente. Em minha etapa atual eu cedo facilmente às tensões.

Um meio termo precisa ser incorporado  , os parâmetros das comparações feitas com o que já realizou anteriormente nunca será desconectado. O reencontro com uma pessoa conhecida , a visualização de uma foto anterior à lesão e mesmo alguns comentários puxam o tapete tecido para o fortalecimento contínuo , interpelando contra o esforço da própria faxina interior um despejo de dor.

 Nem tudo precisa ser desértico , a alegria fecunda em situações inesperadas, o exercío do humor nunca foi tão requisitado. Eu ainda não encontrei um tempo capaz de dialogar com tantas necessidades imediatas.Rir e participar mais da vida tem sido um desafio igual ao de assumir as implicações encontradas por um cadeirante. Conhecer o lado sabotador latente sem botar as desculpas e os erros em cima da cadeira. A cadeira de rodas foi construída para facilitar vidas, estimular a progressão dinâmica das situações com o maior grau de lucidez possível. É uma parada dura, não precisa ser uma cruz!

Eu tenho muita fé em Deus,uma convição maciça e reparadora ao esforço diário, além da retribuição dos familiares e pessoas próximas com um apego muito forte às reivenções de vida.  As dificuldades convivem em quase todas as minhas ações, mas a tensão para andar na rua diminuirá aos poucos e assim atravessarei mais do que os buracos no asfalto. Toda essa garimpagem de sentimentos espera ser colocada em um benefício maior; permitir aos cadeirantes uma conexão com suas âncoras interiores. A partir do que eu vivo, acesso e consigo transmitir.

Não será fácil, devido a todos os percalços, mas o percurso pedregoso também me enche de uma briosa disposição.

Um abraço .

André Nóbrega.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Poema- Instituição querida.

 Instituição querida


Conte-me segredos, caso queiras
Asneiras da TV , o descaso com a fome
Que some quando queremos.
Conte-me sobre o anseio do trabalho,
Quem é fulano de tal para indagar
O seu nome.E atento ao seus planos
Não haverá benefício tão real e humano.
Quando o encanto some com pás
necessárias o amor ressurge, indagando
os princípios da convivência .
Comprarás livros, roupas e a minha chatice.
Os motivos para discutir partirão
das mesmas bocas abertas à saliência.
Sigamos assim com o frio na espinha
aberto à saudade.A tosca verdade
da razão.Os instantes contigo vividos
ao limite e construindo um viver maduro.
Não menos obscuro e assim permita
a essa índole do sentimento o desquite
com a fantasia.Sou todo ouvidos, fortaleço
os meus ombros rijos acolhendo gritos.
Mereço partilha com risos, estou atento
aos tombos.Não ao fomento da nostalgia
Dispenso agora impessoalidades, esposa.
Vamos dormir na variedade do presente.
A demora repousa em refletir a ação repleta
Da força que nos surpreende. Eu lavo a louça
e faço o mercado acompanhando
os seus estados.Se os motivos
a me convocar são os da moça insegura
ou do crivo das contas está fixado
em nosso contrato a força seguinte.
Ela reinventa lugares para todas
as fases tenazes a fim de nos
fortalecerem.Agora, diga-me você...
Há como desligar a TV
deixando avistar nesse corpo
tesão ,loucura, prudência e atitude
capazes de pavimentar com paixão
o esforço exigido pelo casamento?
Não, tudo confunde-se ao compromisso firmado.
Sendo firme o intuito do reflorestamento
Quando muito conselhos, terapia de casal.
Agora tire essa cara, interrompa a leitura,mulher
E vamos logo tirar o nosso atraso. 


RIO,13 DE ABRIL DE 2011.


terça-feira, 12 de abril de 2011

Poema- O pé das ruínas.


O pé das ruínas

Armada e cinza, tua boca ainda busca
 céu por ser tão suja.Pela sede
do ego ascendo apenas quando
esfrego fel e por aí me nego, sem escolha...
Nessa procura insolente com gozo gasto
 O tal sentimento é rápido , único e rasteiro.
Morrem os laços no papel, a pronúncia
Para além da sua vontade.Somente
A fraqueza nos mantém .Máfia e Igreja
sem castidade. Para suspender tantas leis
 o murmúrio de mulher sábia , estraga
com saias minhas chamadas sem suspender
o nosso vínculo. Pode porque és praga
o pátio mais sutil das entradas humanas.
 Ágil o ódio nas mantas desse protocolo cínico.
Quando aterras o meu ninho no contato
Sem cheiro , porém íntimo da espera.
Espalhando o suor no caminho
A falta de ritmo narra o seu eco por aí.
Quando atravesso nossas datas
só,cedendo uma visão congelada
Empresto-lhe voz,alma , poemas ao
Pé das ruínas .O remédio é espelhar
teimosia nas companhias de meninas
ausentes quando engesso em ostras
a manifestação da alegria em vidas por aí .
Prazer sem me conhecer ,até erradicar
o protesto de tantos conflitos.
Apto á minha vida está o vazio
A sofreguidão com a qual transpiro
Possibilidades estéreis. Por isso
O atrito entre nossas realidades
De paraísos não impedem a cor
Da fúria ou pormenores.Acode solta
a escritura do não medido em vivências
 melhores.Acordes das nossas músicas
sem partitura ou guia. De acordo
com o mundo somos lunáticos sem valia prática.
Diante da via crúcis asmática estaremos firmes
Por aí.Com o adeus em dia, horizontes
 sem métricas ou recomeço.Poesia inútil
aprisiona o valor expresso e remete
á poucos instantes o gesso alucinante
 sem futuro, fedido e imaturo por aí
Separando o homem do amante.Dando tiros
No escuro com o ímpeto constante, gratuito até.
Do discurso sem casa porque não passa do muro
A fé dos motivos do amor .Escorregadio
Movediço e descoordenado eu prossigo.
Vivo é do despejo calculado de não lhe encontrar
por aí...      

RIO, 12 DE ABRIL DE 2011.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Funções de acessibilidade no boteco!!

  A filosofia dos bares é preciosa a quem estiver disposto a desbravá-la. Eu herdei do meu pai o gosto pela atmosfera nesse local. Não foi nenhuma imposição formal, eu sempre gostei de acompanhá-lo nas incurssões dele. Eu mantinha desde muito garoto uma relação respeitosa pelos assuntos discutidos ,  era solicitado só para contar piadas infames e , sem saber , me tomava de respeito pela palavra daquelas pessoas cada vez mais próximas. Eu renovava o meu repertório de piadas com os amigos do meu pai e as testava na escola, com moderado sucesso. O manancial de histórias contidos nos frequentadores de um bar me municiou de curiosidade frente à discussões improváveis ,além de um profundo respeito pela cirrculução da boa conversa .Não virei humorista, sou abstêmio . no entanto continuo me mantendo convicto dos poderes reunidos num local onde reuniões de amigos, casos de amor e ódio são alimentados , renovados e adiados. Podemos reunir tais elementos numa peça teatral, mas sem a naturalidade ,o encanto natural promovidos pelo bar.

 O nivelamento cultural do frequentador do bar pode ser medido parcialmente em uma roda de conversa querendo ser séria, assim como o resultado da malhação da garota passeando com o cachorro avaliado e o problema de saúde do garçom debatido . A condição é não exigir profundidade em um tema.A instantaneidade é um dos atrativos do local. Em vinte segundos tudo pode mudar,principalmente se a garota com o cachorro volta sorrindo do passeio na hora do garçom perde tempo demasiado reclamando do resfriado. A sede depõe contra essa nobre categoria ,por isso cederá espaço para a reposição dos copos e corpos se avolumando em um espaço contíguo.

 Tudo é tão urgente na condição efêmera de um bar ou boteco, onde o palco cativa os habitantes de tal universo tomando-os exultantes em clima de  construção contínua.Talvez isso seja tão poderoso enquanto instituição do díalogo, da dica do excelente filme visto , da música composta. No entanto ,de nada vale um desabrochar poético ás vésperas de um FLA X FLU. Ou se alguém conseguiu mais do que o sorriso da moça do cachorro,para a partir daí se dispor a inventar os detalhes, generosamente.

 Não me compete propagar o realismo dos relatos por mim ouvidos.Tudo é uma questão de foco e de fígado. Eu aprendi mais ouvindo do que reagindo aos fatos de bar, pois bastou eu frequentar os bares sozinho para notar a falta de graça nas piadas feitas , trazidas em casa. A graça é compartilhar das vivências com o efeito de propiciarem à bebida, à apreciação dos tira gostos e a da fofoca uma pessoalidade hospitaleira. Isso reconvoca a sua presença.

  Há sempre de se louvar o cenário pródigo em reunir discussões acolaradas sobre futebol ,soluções ovacionadas para se salvar o mundo e capazes de fazer do seu frequentador um artista ou uma caricatura, tudo é uma questão de momento do copo e fomento da alma.

  Eu bebo dessa fonte há algum tempo, na base da coca cola e do silêncio eu fui capturado por um  boteco. Desse espaço eu acesso muitas vivências e elas não precisam necessariamente serem minhas.Elas necessitam transitar nas histórias de cada litro até eu poder captá-las.

  Muitas pessoas a traduzem o bairro em que moram através do ''estudo'' concentrado ao botequim vizinho. Se não for antropológico, será uma experiência engraçada, portanto rica.

 E  por falar nisso ,uma coca cola gelada agora seria uma ótima...