domingo, 20 de maio de 2012

Crônica- Ser um pai eficiente.

    Algumas reflexões surgem quando menos se espera, quando estamos distraídos e por algum desvio de rota o momento até então sugerido o atinge, modificando a ação presente e o faz parar e fazer pensar. Há cerca de duas semanas o clima no buteco que eu sempre frequento conjugava festa, por motivações claras. Era sexta-feira, o Rio de Janeiro  firmava uma lua cheia com pessoas plenas em partilhar prazer , amenizar a semana e era nesta sintonia  com a qual a noite do Bar Rebouças prosseguia. A mesa ao meu lado estava habitada por belas e jovens mulheres a colocarem em sua conversa temas diversos, desde comentários sobre os shows até eventualidades do trabalho que as deliciosas balzaquianas me faziam dirigir olhares e ouvidos para o que se passava entre elas. Da minha mesa, cercado pelos meus amigos eu fiquei momentaneamente cego e surdo para os papos sobre futebol , as essenciais piadas sacanas semamamente trocadas para se fixar àquele perfumado grupo. Como a Rua  do Bar Rebouças estava movimentada, da rua surgiu o elemento capaz de modificar tal imersão contemplativa.

 Passou pela calçada um casal que regulava em idade e espírito com as mulheres da cobiçada mesa . Junto ao casal, vinha uma menina de quatro anos, tão graciosa quanto tímida. O  pai da menina vinha de mãos dadas com a sua filha. O homem já chegou cumprimentando uma das mulheres da mesa, enquanto a mãe da linda criança se juntava ao grupo. A presença da linda menina evocou um frenesi maternal, tão bonito e espontâneo que fez converter uma mobilização das intrépidas balzaquianas para afagar a garotinha. Beijos, brincadeiras feitas com a intenção de celebrar a inesperada visita foram feitas.A timidez da menina passou, mudou também a minha perspectiva diante da situação observada.

 De repente, o grupo das lindas mulheres deixam as vocações de mãe aflorarem e o orgulho estampado do pai da linda menina me chamou atenção. O único homem do grupo regulava em idade comigo, o que fez destacar a legítima alegria da sua paternidade foi uma diferença circunstancial. O cara estava em pé a partilhar sorriso com a mulher abraçado junto a ele , estava ele ali comemorando o resultado daquela união manifestado por aquela joia de quatro anos. Mesmo estando perto da mesa eu fiquei muito distante daquele universo. O fato de eu estar em uma cadeira de rodas trouxe um peso ao momento, que da iminência de uma discreta paquera me fez formular intimamente uma questão:que tipo de pai eu seria hoje, precisando ainda usar de uma cadeira de rodas para utilizar a maioria das minhas funções?

 Um conjunto das imagens praxe dos programas feitos por um pai com o filho(ou filha) me invadiram. Então, foi a partir deste efêmero mecanismo de projeção que eu comecei a me imaginar levando a minha cria ao Maracanã, ao cinema, para viajar e tudo o que tradicionalmente imaginamos que um pai deva fazer. O meu pai fez tudo isto comigo,mas  naquela atmosfera do bar eu tive uma bad trip. Pus-me a imaginar a realização das incumbências de um pai tradicional tendo que tocar uma cadeira de rodas. E o pior, andei conjuguei tais pensamentos da pior maneira possível. Eu imaginei que uma deficiência pudesse compremeter o exercício de uma paternidade eficiente. Foi tamanho o abalo que eu pedi ao Jorginho, eleito o melhor garçom de Bar do Rio, a minha conta e parti para a minha casa.

  Passadas quase duas semanas soa exagerada a intensidade negativa da minha interpretação quanto ao ser ou não um bom pai. Mesmo assim, tal sensação não foi inválida, pelo contrário. Não demorou muito para eu puxar da memória feita por exemplos próximos de pais cadeirantes presentes e atuantes e outros tantos exemplos irritantes de pais andantes e ausentes. E além do mais, o Maracanã é um canteiro de obras, para se assistir a um filme a presença física não se faz necessária e para poder viajar há muito mais condições de passeio do que na minha época de filho. Estou bem mais tranquilo, certo de que encontrarei uma boa maneira de exercer a paternidade.

  Quero muito encontrar a mesa com as lindas balzacas, puxar conversa e mencionar o jeito delas no fino trato com as crianças. Por isso é que eu ''estaciono'' a minha cadeira no Bar Rebouças, o buteco onde o acaso opera com força e graça, seja por caminhos tradicionais ou não...

 Um abraço PARATODOS !!

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